domingo, 23 de dezembro de 2018

Pipiripau

Ontem foi dia de visita ao Pipiripau, a primeira pros meus filhos.

Raimundo Machado, o criador do presépio, começou a construí-lo quando tinha 12 anos, em 1906. De início era apenas um Menino Jesus numa manjedoura de papelão, forrada de cabelo de milho e musgo. Aos poucos, juntando materiais diversos recolhidos aqui e acolá e devidamente reciclados, construiu as 650 figuras de papel marchê, a maior parte delas animada, reunidas em 45 cenas que retratam a vida de Cristo em um cenário que tem muito de BH e das cidades coloniais mineiras.

A primeira peça com movimento data de 1912, a primeira cena iluminada veio em 1925 e, finalmente, em 1927, o presépio ganhou um motor elétrico. No mesmo ano, Drummond dedicou-lhe um poema. A primeira vez que visitei eu era bem menino e ele ainda ficava na casa de Raimundo, aonde fui com meus pais.

Em 1983, ele foi transferido para o Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG. Entre 2012 e 2017, passou por uma restauração minuciosa e delicada, trabalho executado por uma equipe da Universidade Federal de Minas Gerais com o apoio da Unimed-BH.

Raimundo Machado faleceu há 30 anos, em 27 de agosto de 1988, mas seu presépio está lá e impressiona a meninada que o visita, com seus movimentos, luzes e o som ruidoso do trovão ao final da exibição.

Um viva, então, pra Raimundo Machado!









sábado, 17 de novembro de 2018

20 anos de RePEc

Uma das peculiaridades da área de economia é o uso extensivo de working papers como forma de divulgação preliminar de resultados de pesquisas. São versões preliminares de textos escritos em formato de artigo, mas que circulam previamente à sua efetiva publicação em revistas acadêmicas, de modo que o argumento possa ser conhecido e discutido antes do trabalho receber sua versão final.

Em larga medida, esta peculiaridade decorre dos imensos prazos de avaliação dos textos submetidos aos periódicos da área, que estimularam a busca por formas mais ágeis de divulgação dos resultados. Outras áreas também sofrem com o mesmo problema e acabaram adotando soluções próprias, mas em nenhuma que eu conheça o uso do formato working papers é tão antigo e disseminado, a ponto de praticamente cada departamento de economia dispor de uma série própria de "textos para discussão". Pra se ter uma ideia, a série do Cedeplar-UFMG, onde eu trabalho, começou em 1974, apenas seis anos depois da fundação do nosso programa de pós-graduação.

Com o tempo, o crescimento do número de séries e textos criou um novo problema: como assegurar uma divulgação ágil e abrangente dos textos publicados em cada série? De início, as bibliotecas universitárias tinham que demandar às diferentes instituições o envio de exemplares impressos de cada working paper lançado, o que foi se tornando algo difícil de administrar. Há 20 anos, um pequeno grupo de economistas buscou uma solução que fosse mais simples e eficiente para a disseminação da pesquisa em economia. Deste movimento surgiu o RePEc, que mudou por completo a situação.

O RePEc consiste num sistema de compartilhamento de metadados de publicações em economia (working papers, mas também artigos, livros e até softwares). Construído de forma inteiramente descentralizada, com custos de gestão e manutenção baixíssimos, a base é alimentada por uma legião de voluntários espalhados por cerca de 2.000 instituições do mundo todo. É um exemplo formidável de divisão do trabalho e cooperação, com resultados admiráveis.

Atualmente, o serviço indexa 2,3 milhões de itens de 8 mil séries diferentes, sendo 3 mil periódicos e 4,5 mil séries de working papers, boa parte dos quais tem acesso aberto. É uma ferramenta de pesquisa bibliográfica indispensável para quem trabalha na área de economia. Basta pensar que, somente no mês passado (outubro de 2018), foram realizados por meio dos diferentes serviços que empregam a base do RePEc um total de 496.854 downloads de textos e 1.885.141 consultas de resumos (abstracts).

Por menor que tenha sido minha contribuição para a construção do RePEc, tenho uma satisfação imensa de ter participado disso. Administrei por alguns anos os metadados e arquivos das séries de textos para discussão, livros e anais de seminários do Cedeplar. Colaborei também com dados de artigos da revista Nova Economia, e séries de textos da ABPHE e da ANPEC. Hoje, o trabalho nestas séries está a cargo de outros colegas que colaboram para manter as bases do RePEc ao lado de centenas de voluntários de 99 países.

Até hoje mantenho um perfil pessoal no RePEc onde é possível acessar a maior parte dos meus trabalhos acadêmicos e acompanhar as estatísticas atualizadas de acesso a estes textos.

Quem quiser conhecer mais sobre o RePEc pode começar por este artigo em comemoração aos seus 20 anos, ou simplesmente acessar um dos serviços disponíveis e começar a fazer suas buscas. Resultados é que não vão faltar.



sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Estudos Hum(e)anos em nova fase

Está na praça o mais recente número da revista Estudos Hum(e)anos, o de número 9. A revista foi criada em 2010 para veicular as pesquisas do Laboratório de Estudos Hum(e)anos do Iuperj, coordenado à época pelo Prof. Renato Lessa. Seu editor era o Prof. Cesar Kiraly.

Agora, a revista entra em nova fase editorial.  Hugo Arruda e Vinícius França Freitas são os novos editores. O Conselho Científico conta, além dos professores Renato Lessa e César Kiraly, com a participação da minha amiga e colega, Profa. Lívia Guimarães, coordenadora do Grupo Hume (UFMG), e do Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho (PUC-Rio). Tenho a satisfação de participar do novo Conselho Editorial.

Os artigos deste número são trabalhos apresentados no VI Encontro Hume, realizado em 2017, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, ocasião em que se decidiu retomar a edição da revista. Os artigos estão todos com acesso aberto. Boa leitura!

Revista Estudos Hum(e)anos

sábado, 25 de agosto de 2018

V Ciclo de Seminários sobre Metodologia e História do Pensamento Econômico no Cedeplar-UFMG.

Sete anos depois do primeiro evento, está tudo pronto para a retomada dos Ciclos de Seminários sobre Metodologia e HPE no Cedeplar-UFMG.

Entre 2011 e 2013, o Cedeplar, através do Grupo de Pesquisa em Metodologia e História do Pensamento Econômico, promoveu quatro ciclos de seminários que contaram com a participação de pesquisadores renomados do Brasil e do exterior. 

O objetivo daqueles eventos era o de promover uma maior integração entre os pesquisadores atuantes no Brasil nas áreas de História do Pensamento Econômico e Metodologia da Economia, criando e consolidando laços de cooperação acadêmica inter-institucional no âmbito nacional. Adicionalmente, buscamos consolidar o Cedeplar e a UFMG como centros de referência no Brasil para todos aqueles envolvidos com pesquisas nestas duas áreas.

A repercussão alcançada à época não deixou qualquer dúvida sobre o êxito da iniciativa. Cinco anos mais tarde, depois de uma interrupção provocada por diferentes razões, estamos retomando a organização dos seminários, na expectativa de alcançar o mesmo êxito.

Nesta nova etapa, nosso primeiro convidado será Pedro Vianna Faria,ex-aluno da graduação em economia e da pós-graduação em filosofia da UFMG que, atualmente, está cursando o doutorado em história na Universidade de Cambridge. Pedro vem se dedicando desde sua graduação à investigação das relações entre a filosofia moral e a teoria social de David Hume. No seu seminário, ele apresentará um texto recentemente preparado para a 45th Hume Society Conference.

O evento acontecerá na sexta-feira, 31/08, às 14 horas, no auditório 2 da FACE-UFMG. O texto em que se baseará a apresentação está disponível para leitura.

Contamos com a presença de todos!





segunda-feira, 4 de junho de 2018

Marcello Musto no Cedeplar-UFMG

Faço aqui um pequeno registro da nossa atividade de hoje no Cedeplar-UFMG, quando contamos com a visita de Marcello Musto, professor da Universidade de York (Canadá), que apresentou um seminário sobre o sentido e a natureza das pesquisas de Karl Marx em seus últimos anos de vida. Ao final, ele autografou a recém-lançada tradução brasileira de seu livro, O Velho Marx.

Em meu nome e dos colegas que compõem o grupo de pesquisas em Economia Política Contemporânea, faço o nosso agradecimento a todos que estiveram presentes (e também ao nosso colega João Tonucci, por ter nos cedido uma das fotografias reproduzidas abaixo).



Seminário de Marcello Musto no Cedeplar-UFMG (04/06/2018)

quinta-feira, 24 de maio de 2018

O velho Marx

Marcello Musto, professor da Universidade de York (Canadá), estará no Cedeplar-UFMG para apresentar um seminário sobre as pesquisas de Marx nos últimos anos de sua vida.

O evento, organizado pelo grupo de pesquisa em Economia Política Contemporânea, acontecerá na segunda-feira, 04/06, às 11h, no auditório 1 da FACE-UFMG e integra a série de Seminários do Programa de Pós-graduação em Economia.

O Professor Musto é autor do livro O Velho Marx, cuja tradução está sendo lançada no Brasil pela Editora Boitempo.

O seminário é aberto ao público interessado. Estão todos convidados!


The research of the late Marx

terça-feira, 22 de maio de 2018

Normas da ABNT para artigos acadêmicos



Olha aí, que beleza! Já está circulando a nova norma da ABNT pra você formatar seu artigo científico. Você paga R$54,60 (isso mesmo) pra obter a norma e ficar sabendo direitinho o que deve escrever em negrito, onde deve colocar o ponto ou a vírgula etc etc.

O mais curioso disso tudo é que as pessoas considerem as normas bibliográficas da ABNT como "oficiais", um modelo obrigatório com força de lei e que deve ser adotado em qualquer publicação ou instituição. Desconheço qualquer legislação que imponha seu uso e, se houvesse, tanto pior.

Pra piorar -- e talvez seja este o ponto que mais me incomoda --, a norma da ABNT para formatação de textos acadêmicos, ao contrário de outras que existem por aí, é desprovida de qualquer elegância: sua adoção torna qualquer texto imensamente feio. E, lamento reconhecer, ainda sou daqueles que consideram que uma publicação deve aliar bom conteúdo à boa forma, não devendo dispensar uma apresentação apurada e de bom gosto.

Finalmente, tem isso da ABNT cobrar (e cobrar caro) pelo simples acesso às suas normas. É algo que tem sido objeto de frequente contestação, inclusive judicial, mas continua valendo. A ABNT é uma instituição privada, "sem fins lucrativos e de utilidade pública", e recebe recursos públicos para custear seu funcionamento.

Desculpem pelo texto longo, mas esta é uma das minhas birras antigas. Tudo isso está bem explicado neste dois textos: o primeiro, tem mais de dez anos, mas continua atual; o outro, mais longo, é mais recente, mas aponta problemas que são antigos e continuam intocados.

Do primeiro texto, reproduzo a sugestão dirigida aos professores:
"Se você é docente, não imponha as normas da ABNT para os textos de seus alunos. Verifique se sua instituição define padrões próprios que não dependam da ABNT, ou procure por formatos definidos por outras instituições que atendam suas necessidades."


segunda-feira, 14 de maio de 2018

A pesquisa sobre a obra de Marx no âmbito do Cedeplar e da UFMG.

Em função das comemorações em torno dos 200 anos do nascimento de Karl Marx, a imprensa tem publicado várias matérias e comentários sobre suas ideias e sua influência.

Tomo a liberdade de chamar a atenção para uma matéria publicada no site da Universidade Federal de Minas Gerais com o título de "Pesquisadores da Face estudam manuscritos inéditos de Marx". Ela relata o trabalho que um grupo de pesquisadores do Cedeplar - entre os quais, este que vos escreve - vem desenvolvendo desde 2008 em torno da compreensão do sentido sentido teórico de alguns manuscritos inéditos de Marx. Ela é parte de uma série mais ampla de matérias sobre o pensador alemão.





Aproveito também para mencionar o artigo publicado no caderno Cultura & Estilo do jornal Valor Econômico com o título de "Marx: ontem, hoje e amanhã". A matéria foi publicada no final de abril e, ao lado de outros professores entrevistados pelo jornalista Cyro Andrade, faço alguns comentários sobre a atualidade da obra de Marx.

domingo, 6 de maio de 2018

Uma entrevista com Michael Heinrich na Ilustríssima

Meu amigo Silvestre chamou minha atenção para a entrevista com Michael Heinrich na Ilustríssima de hoje e eu agradeço a ele por isso. Gosto do que o Heinrich tem a dizer sobre Marx e recomendo a leitura pra quem mais se interessar pelo assunto. Adorei especialmente a frase do Egon Friedell que ele cita e que eu ainda não conhecia: "Marxistas são pessoas que nunca entenderam Marx". Pois é...

Por outro lado, é a Folha sendo a Folha. Reconheço que tentaram ser simpáticos mas, permitam a franqueza do comentário: acho incrível como não conseguem escapar de alguns lugares comuns. Por exemplo, parece que no Brasil é proibido falar em Marx sem mencionar FHC (ou Gianotti) e o famoso seminário uspiano sobre O Capital. É um caso extremo de paroquialismo movido, ao que parece, pela mais completa ignorância do que se passa em qualquer parte do Brasil que fique a mais de 100 km da Praça da Sé...

Outra coisa típica é esta salada de frutas de referências que vem a propósito de sei-lá-eu-o-quê. Pergunto: por que a entrevista com o Heinrich tem que ser antecedida de comentários sobre Zizek ou referências a Anderson, Badiou, Sarlo!?! Nada contra Zizek ou quem quer que seja, mas o que o "lé" tem a ver com o "cré"? São coisas inteiramente distintas... Perderam a oportunidade de apresentar o entrevistado, de comentar seu trabalho anterior, o que, penso eu, faria muito mais sentido.

Pra terminar, a inevitável pergunta sobre o Brasil!!! Eu lamento que o Heinrich não tenha simplesmente se negado a responder, mas o problema é bem menos a resposta dele e muito mais o de entender este mistério (que também vale pra outros entrevistados estrangeiros): por que é que os jornalistas e editores acham que um professor de Berlim que é biógrafo de Marx tem coisas importantes a dizer sobre o PT ou a política brasileira? Que tristeza...

Michael Heinrich

Novas biografias de Marx

Para quem é visto por aí como um pensador a ser esquecido, a última década foi até bem pródiga na publicação de novas e alentadas biografias de Karl Marx. Entre as que tiveram maior destaque, e que foram rapidamente traduzidas para o português, podemos mencionar os volumes escritos por Mary Gabriel, Jonathan Sperber, Gareth Stedman Jones.

Em 2018, o ano em que comemoramos o 200° aniversário do velho Mouro, são esperados vários lançamentos. Na Inglaterra, acaba de ser publicada a tradução inglesa da biografia escrita pelo sueco Sven-Eric Liedman, A World to Win: the Life and Works of Karl Marx. Uma resenha do livro, assinada por Adam Tooze, foi publicada anteontem no Financial Times.

Aqui no Brasil, além da biografia em quadrinhos de Anne Simon e Corinne Maier, é esperado o lançamento de um novo volume escrito por José Paulo Netto, que é por assim dizer o decano do marxismo brasileiro, e a publicação de uma tradução de O velho Marx, um pequeno livro de Marcello Musto, professor italiano radicado no Canadá, que trata exclusivamente dos dois últimos anos de sua vida.

Mas o lançamento mais aguardado, aqui e no exterior, é certamente da nova biografia escrita por Michael Heinrich, Karl Marx e o nascimento da sociedade moderna. Prevista para ocupar três grossos volumes, o primeiro deles acaba de ser publicado na Alemanha e deverá estar disponível em português até o final de maio (e, em seguida, em inglês, espanhol e francês). Trata do período entre o nascimento de Marx, em 1818, e o ano em que defendeu sua tese de doutoramento, 1841.

Não há nada de trivial em propor uma nova biografia de um autor sobre quem já se escreveu tanto e diante de quem parece impossível ficar indiferente. Além de um conhecimento seguro da história europeia no século XIX e da história das ideias em áreas tão diferentes como a filosofia, a política e a economia, é preciso conhecer o imenso legado teórico de Marx, boa parte do qual ainda está preservado na forma de manuscritos inéditos. Heinrich, sem dúvida, é um dos autores contemporâneos mais bem preparados para esta tarefa. Neste vídeo, produzido pela Editora Boitempo, ele explica as razões que o motivaram a escrever esta nova biografia, aponta as lacunas e falhas mais comuns nas tentativas dos biógrafos anteriores e enfatiza o fio condutor de sua pesquisa, proporcionado pela compreensão da estreita conexão entre a vida e a obra de Marx.



sábado, 5 de maio de 2018

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Sem comentários (18)

Just received the message below. What else can I say except... "Thank you Karl! That means a lot coming from you."




terça-feira, 20 de março de 2018

Despedida

Hoje encerro um período de minha vida profissional que teve início há 4 anos, quando aceitei o convite que os professores Jaime Ramírez e Sandra Goulart Almeida me fizeram para participar de sua equipe à frente da Reitoria da UFMG. Não foram anos fáceis, tenham certeza disso, mas foram anos felizes, de muito trabalho e constante aprendizado, de uma convivência rica em que, apesar das tensões, disputas e desafios, não faltaram motivos pra sorrir e pra comemorar.

Sou muito grato a todos que me acompanharam nesta trajetória, compartilhando os problemas e a busca das soluções. Ao Mauricio Campomori e a Macilene Lima, meu muito obrigado por tudo que me ensinaram e pelo apoio que nunca deixaram de oferecer. Na pessoa dos dois, registro também meu carinho e agradecimento à toda equipe da Proplan, onde há sempre muito trabalho a fazer, mas nem por isso o ambiente se deixa contaminar pela pressão, e as pessoas sabem ser solidárias e amigas.

Ao Jaime e a Sandra, meu muito obrigado pela oportunidade que me deram de servir a Universidade. Minha admiração e agradecimento por tudo que fizeram para, em tempos de rupturas e dissensos, preservar a coesão da comunidade em torno da Instituição. Pelo que fizeram para, em tempos de crise e riscos, exercer a autonomia e a independência da Universidade sem se dobrar a pressões e sem se deixar seduzir por soluções fáceis. E, juntando uma coisa a outra, por terem sabido conduzir a UFMG nestes quatro anos preservando a dignidade e a altivez desta Instituição. Poder trabalhar ao lado de vocês foi mais que um aprendizado, foi mesmo uma honra.


quarta-feira, 14 de março de 2018

O túmulo de Marx

Karl Marx faleceu há 135 anos, na tarde de um dia 14 de março, como hoje. A foto abaixo, feita por Ricardo Bellofiore, mostra a lápide original de sua sepultura. Simples e digna, como ele gostaria. Muito mais digna do que aquela estátua horrenda que, mais tarde, seria colocada em seu lugar, em Highgate Cemetery. Registro aqui o comentário de Michael Heinrich:
 
"Whoever visits the grave of Karl Marx at Highgate Cemetery in London encounters a gigantic pedestal upon which a gigantic bust of Marx is enthroned. One has to look up at him. Directly under the bust, “Workers of all lands unite” is written in golden letters, and further down, also in gold, “Karl Marx.” Below that, a simple, small headstone is placed within the pedestal, which names without pomp and gold those buried here: besides Karl Marx, there is his wife Jenny, his grandson Harry Longuet, and his daughters Eleanor and Helene Demuth, who led the Marx household for decades.

Marx selected the plain headstone himself after the death of his wife. Showing off was not his thing. He explicitly asked for a quiet funeral restricted to a small circle. Only eleven people took part. Friedrich Engels was able to prevent plans by the German Social Democratic Party to erect a monument to Marx at the cemetery. He wrote to August Bebel that the family was against such a monument, since the simple headstone “would be desecrated in their eyes if replaced by a monument”. (MECW 47, p. 17).

Around 70 years later, nobody was left to protect Marx’s grave. The present monument was commissioned by the Communist Party of Great Britain and unveiled in 1956. Only cemetery regulations prevented it from being even bigger. The Marxists had asserted themselves against Marx." (Michael Heinrich, "Je ne suis pas marxiste").


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Top 5

Há uma série de textos escritos por economistas mais ou menos ligados ao mainstream que, quando lidos, me fazem pensar que nem tudo está perdido.

Refiro-me àqueles artigos em que estes economistas demonstram uma fina ironia em relação às práticas dominantes na profissão. Textos como "Life among the Econ", do Leijonhufvud ou "The Theory of Interstellar Trade", do Krugman, pra citar apenas dois exemplos que certamente estão entre os melhores do gênero.

Há um texto novo na praça que vai na mesma linha e propõe a definição de uma nova moléstia. Com o título de "Top5itis", foi escrito por Roberto Serrano, um professor de microeconomia da Brown University, e pode ser baixado no site da SSRN

Não chega a ser tão hilário quanto os outros dois que mencionei acima, mas mesmo assim a leitura do texto provocou algumas boas risadas, seguidas da constatação desolada de que, em meio às epidemias de zika e febre amarela, há um bom número de vítimas locais desta nova enfermidade que também merecem a atenção dos nossos órgãos de saúde pública.


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Previsões, ciência e economia

A maioria das pessoas não hesitaria em reconhecer como uma das características distintivas do conhecimento científico o seu sucesso preditivo, a capacidade que a ciência tem de produzir previsões corretas sobre o comportamento do mundo a partir de um conjunto determinado de leis ou hipóteses.

Costumo tomar este ponto como mote para dar início aos cursos de metodologia da economia que vez por outra leciono. A provocação consiste em fazer com que os alunos vejam que, por este critério, dificilmente poderíamos considerar a economia uma ciência, pois são frequentes, reiterados e excessivos os erros das projeções feitas com base nos mais "renomados" modelos econométricos.

O objetivo da provocação não é pura e simplesmente desabonar a economia, mas por em questão o modo como nos acostumamos a pensar a ciência, a definir o que é científico ou não, mostrando que boa parte dos critérios usualmente adotados para definir o que é ciência não se sustenta, não fica de pé após um exame, mesmo que ligeiro. Se a economia tal como é praticada é ou não uma ciência, continua a ser uma boa questão, mas a resposta não pode prescindir de uma definição segura do que torna um conhecimento qualquer passível de ser considerado científico. E, ao contrário do que pensam o senso comum e os economistas, esta questão está longe de ter uma resposta simples ou clara, que é o que procuro mostrar ao longo do restante do curso.

Mas, volta e meia alguma aluna mais esperta esbarra na pergunta que não quer calar: se a economia fracassa tanto do ponto de vista preditivo, por que é que os economistas continuam usando seus modelos com fins preditivos? E, mais ainda, por que é que empresas, bancos e governos continuam empregando economistas (mas também engenheiros, físicos e matemáticos) pra produzirem previsões sobre, digamos, a taxa de juros ou de câmbio que prevalecerá daqui a dois ou três anos? (isso pra ficar em exemplos de previsões corriqueiras e aparentemente pouco ambiciosas, mas em relação às quais os erros são abundantes e habituais).

A resposta a estas questões renderia um outro curso, que eu nunca ofereci. Ou, melhor ainda, renderia um amplo projeto de pesquisa. Não pude deixar de pensar nisso quando, hoje, esbarrei neste texto do Arrow, um trecho que eu ainda não conhecia e que está citado neste post do Lars Syll. Ele poderia muito bem servir de mote pra um curso ou pesquisa deste tipo:
"It is my view that most individuals underestimate the uncertainty of the world. This is almost as true of economists and other specialists as it is of the lay public. To me our knowledge of the way things work, in society or in nature, comes trailing clouds of vagueness (…) Experience during World War II as a weather forecaster added the news that the natural world as also unpredictable. An incident illustrates both uncertainty and the unwillingness to entertain it. Some of my colleagues had the responsibility of preparing long-range weather forecasts, i.e., for the following month. The statisticians among us subjected these forecasts to verification and found they differed in no way from chance. The forecasters themselves were convinced and requested that the forecasts be discontinued. The reply read approximately like this: ‘The Commanding General is well aware that the forecasts are no good. However, he needs them for planning purposes.’"



sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Pedro Nava

Num dia primeiro de fevereiro como hoje, há exatos 50 anos, Pedro Nava deu início a redação de Baú de Ossos, o primeiro dos seis volumes de memórias que publicou entre 1972 e 1983 (um último volume, o sétimo, restou inacabado e só foi publicado depois de sua morte).

Naquele dia, Nava contava 64 anos de idade. Médico renomado, sua produção literária resumia-se a uns poucos poemas publicados em revistas, alguns deles recolhidos na famosa antologia de poetas bissextos organizada pelo Bandeira. Tinha escrito também dois volumes de estórias e história da medicina. Mas foi a publicação das memórias que consagrou seu lugar único entre os autores de literatura brasileira.

As duas coisas são difíceis de entender: que ele tenha publicado tão pouco por tanto tempo, e que tenha feito uma obra tão fina e grandiosa em tão poucos anos. Aquele primeiro de fevereiro foi, por assim dizer, um divisor de águas e é um dia a ser comemorado.


Pedro Nava (foto de Luiz Carlos Murauskas - 20.mar.84 / Folhapress)

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

David Riazanov (1870-1938)


No último domingo, completaram-se 80 anos da morte de David Riazanov. Preso e condenado em meio a uma onda brutal de repressão política, foi executado e enterrado em 21 de janeiro de 1938, numa vala comum no cemitério de Saratov. A data passou quase despercebida, mas ainda é tempo de registrá-la e, sobretudo, de lembrar esta figura notável: historiador e editor, pesquisador talentoso e leitor incansável, intelectual erudito e líder político apaixonado.

Riazanov foi um homem rumoroso e divertido, destemido e impetuoso, "o enfant terrible do Partido", alguém "organicamente incapaz de covardia". Um crítico de primeira hora dos descaminhos da Revolução Russa, recusou-se a silenciar sua oposição a atos do governo e do partido ou a abrir mão de sua independência pessoal. Defendeu com intransigência suas ideias e, enquanto foi capaz, valeu-se de sua língua ferina para expressar publicamente sua oposição a Stalin em diversas oportunidades, o que terminaria custando-lhe a vida.

Dono de uma memória e uma capacidade de trabalho impressionantes, os longos períodos que passou na prisão e no exílio não o impediram de deixar uma obra considerável. A ele devemos, sobretudo, a possibilidade de conhecer o legado teórico de Marx e Engels em sua integralidade, pois Riazanov foi o principal responsável por criar as condições para o efetivo desenvolvimento do projeto de uma edição crítica das obras dos dois pensadores alemães, reunindo uma equipe de pesquisadores qualificados para realizar o trabalho editorial e uma rede de contatos na Europa para reunir todo material necessário: os originais ou cópias de cartas, manuscritos, livros e o que mais fosse preciso para editar a Marx Engels Gesamtausgabe (MEGA). Se o projeto não chegou a bom termo, detido a meio caminho pelos desdobramentos do nazismo e do stalinismo, o trabalho de Riazanov e sua equipe foi essencial para que a ideia de editar a MEGA pudesse ser retomada nas últimas décadas.

A perseguição que sofreu custou a Riazanov não apenas sua vida, como também, por um bom tempo, a memória de seu legado. Anos atrás, tive a chance de escrever um pequeno texto sobre sua vida e seu trabalho e, deste modo, expressar o reconhecimento e a admiração que tenho por sua trajetória e sua obra. Das coisas que já escrevi, foi das que mais me gratificaram e achei que seria bom se hoje, e vez por outra, eu voltasse a falar de David Riazanov, este ser humano admirável. Está dito.
 
David Riazanov (1870-1938)
 

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Zahar


Os que são da minha geração e estudaram economia, filosofia, história ou ciências sociais certamente vão se lembrar dos livros da Zahar. A editora respondia por boa parte dos lançamentos nacionais e das traduções publicadas nestas áreas.

Ainda lembro do meu encontro com a incontornável 'História da Riqueza do Homem', do Leo Huberman, leitura feita no último ano do científico, que é como se chamava o ensino médio. Depois vieram outros livros, lidos durante a graduação: Dobb, Schumpeter, Sweezy, Baran, Rosa, Marcuse, Fromm, Cardoso e Faletto, Conceição Tavares, Florestan e tantos outros. A maioria comprei nas livrarias do centro da cidade, que é onde elas se concentravam: na Itatiaia, no Zé Maria, no Daniel Vaitsman, na Vozes, no Amadeu ou na velha Copec. Quase todas não existem mais, mas os livros ainda tenho comigo.

Naquela época, a Zahar era, incontestavelmente, uma editora importante. Aos 60 anos, completados nos ano passado, sua linha editorial mudou, abrindo-se para a literatura, incorporando outras áreas e dando mais ênfase à psicanálise. O velho Jorge Zahar não está mais a frente da editora que, apesar disso, continua importante.

Estou contando isto tudo porque acabei de ler o livro aí da foto, 'A marca do Z'. É uma mistura bem feita de duas estórias que quase se confundem: a biografia de Jorge Zahar e a história da editora que ele criou. O texto é leve, bem escrito e apoiado numa pesquisa competente. O projeto gráfico é muito bonito. Vale a leitura pra quem se interessa por estas coisas, inclusive pelas memórias que o livro evoca. É isso.