segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Claudio Napoleoni (1924-1988), ou a falta que uma foto faz

Destas coisas curiosas, mas que, talvez, só sejam curiosas pra mim.

Os que são da minha geração e estudaram economia provavelmente leram alguma coisa de Claudio Napoleoni (1924-1988), mesmo que não se lembrem disso. Seus livros -- Smith, Ricardo e Marx, O valor na ciência econômica, Curso de economia política, O pensamento econômico no século XX, Lições sobre o capítulo sexto -- foram traduzidos para o português ainda no final dos anos 1970, portanto, a tempo de serem adotados nas disciplinas de HPE e de Economia Política dos cursos de graduação e pós-graduação daquela época e constam das referências de boa parte do que foi publicado no mesmo período por brasileiros que pesquisavam estas áreas.

Não era hábito, então, o que se tornou costumeiro mais tarde: publicar, na segunda orelha do livro, uma foto e uma pequena biografia do autor do volume. De fato, aquelas traduções sequer tinham orelhas. Pior, a edição brasileira de Smith, Ricardo e Marx, publicada pela Graal, notabilizou-se pela encadernação barata, feita com cola e sem costura, garantia de que as páginas se soltariam com pouco uso, e pelos inúmeros erros de composição, com linhas inteiras omitidas ou trocadas entre parágrafos de páginas distintas.

Voltando ao ponto: na falta da orelha e da foto do autor, eu nunca soube qual seria a pinta do Napoleoni. Naturalmente, isso não me impediu de imaginá-lo todo este tempo. Para mim, o nome de Napoleoni evocava a imagem de Norberto Bobbio. Claro, eu sempre soube que eram duas pessoas diferentes, com ideias diferentes, mas imaginava o primeiro parecido com o segundo. E, pensando bem, esta associação tinha lá suas razões de ser: ambos eram autores italianos, ambos foram muito traduzidos e publicados no Brasil naquele período, ambos organizaram dicionários importantes (um de economia política, o outro de política) e, finalmente, ambos foram membros do Senado italiano. A diferença é que Bobbio esteve no Brasil, salvo engano em 1983, e por isso sua foto circulou na imprensa, ao passo que Napoleoni, até onde sei, nunca veio ao país, onde seguiu sendo uma figura intelectualmente conhecida, mas dotada de um semblante que podia apenas ser imaginado (não havia google images naquela época, é bom lembrar).

Hoje, meio ao acaso, deparei com o anúncio do relançamento de um livro dele -- Discorso sull’economia politica, que, até onde sei, nunca foi traduzido para o português -- e, bingo! Lá estava a foto do autor, em preto e branco, com um par de óculos de armação grossa que não escondiam seu olhar meio sério, meio irônico, meio bonachão. Sem dúvida, uma figura muito diferente da que eu imaginei por tanto tempo. Diria, pra resumir, que Napoleoni saiu-se mais aprumado e simpático, bem melhor que a encomenda.

Não sei se, a esta altura, alguém ainda lê Napoleoni no Brasil. Eu continuo indicando seus livros em disciplinas que leciono, mas não me iludo sobre isso, que não é garantia sequer de que meus alunos o leiam. Vá saber...

O fato é que, mesmo ali onde não compartilho da sua interpretação sobre algum assunto ou passagem, seus textos continuam tendo algo a me dizer. No mínimo, ajudaram a conformar algumas perguntas que ainda me acompanham. E, agora, revelada a estampa do autor, vão estar associados à verdadeira figura de quem os escreveu. 

Claudio Napoleoni (1924-1988)