Frederic Mishkin |
Em maio de 2006, a Câmara de Comércio da Islândia promoveu um evento em Nova York reunindo mais de 100 executivos do setor financeiro para divulgar um relatório de 65 páginas com o título de Financial stability in Iceland. O texto, assinado por Mishkin e por Tryggvi T. Herbertsson, tecia comentários bastante favoráveis à economia islandesa, contrariando os boatos e avaliações negativas que circulavam à época. No relatório, os autores afirmavam que os fundamentos econômicos da Islândia eram sólidos: uma posição fiscal favorável, dívida pública líquida inferior a 10% do PIB, baixo desemprego, PIB per capita elevado, inflação baixa, além de excelente quadro institucional (baixo grau de corrupção, altos níveis educacionais, liberdade de imprensa etc.). Enfatizaram ainda que o processo de liberalização financeira do país fora iniciada há bastante tempo, estando bastante avançado. Diziam, por fim, que havia uma forte regulação prudencial e supervisão do setor financeiro.
Naturalmente, o texto é entremeado por algumas ressalvas que, no entanto, não chegam a reduzir o tom francamente otimista da análise:
"It is true, however, that Iceland is running very large current account deficits, but current account deficits by themselves do not lead to financial instability. Our analysis indicates that the sources of financial instability that triggered financial crises in emerging market countries in recent years are just not present in Iceland, so that comparisons of Iceland with emerging market countries are misguided.
The fact that Iceland is not going down traditional routes to financial instability does not mean that there are no other potential problems looming. There are concerns that the banks could experience refinancing problems. Although the banks' reliance on external financing poses the biggest risk to the financial system right now, the probability of a credit event occurring is low.
(...)
The analysis in our study suggests that although Iceland's economy does have some imbalances that will eventually be reversed, financial fragility is currently not a problem, and the likelihood of a financial meltdown is low."Diante de tanto otimismo, o relatório foi saudado por Erlendur Hjaltason, presidente da Câmara de Comércio, como uma avaliação acadêmica equilibrada:
"We are pleased that renowned economists of Dr. Mishkin and Dr. Herbertsson's stature were able to devote the time and intellect to such a thorough examination and deliver this valuable report. We appreciate their investment in this analysis and look forward to sharing their findings with the international financial community."
O fato é que, apesar dos elogios e da análise otimista de seus "sólidos fundamentos", a economia da Islândia entrou em uma crise de grandes proporções dois anos após o lançamento do relatório de Mishkin. No final de 2008, os três principais bancos do país entraram em colapso quando não conseguiram refinanciar suas dívidas com o mercado internacional. Os efeitos da crise se estenderam a outros países e serão sentidos pelos islandeses por um bom tempo.
O que não sabíamos até a recente divulgação do vídeo abaixo é que Mishkin embolsou nada menos que US$124,000.00 para produzir seu relatório. Apesar do próprio Mishkin alegar que esta informação era pública, não há qualquer ressalva a este respeito no texto, como seria de se esperar numa "pesquisa" financiada por empresas ou órgãos que têm interesse direto nos seus resultados.
A coisa toda fica ainda mais grave quando o entrevistador do vídeo mostra uma cópia do curriculum vitae de Mishkin, em que o título do relatório aparece alterado para para Financial instability in Iceland. Claramente incomodado, o economista atribui o problema a um erro de digitação! (Obs.: o "erro" já foi corrigido no curriculum publicado no site da Universidade de Columbia).
Mas, o leitor deve estar se perguntando, qual a explicação de Mishkin para o outro erro, o erro da sua análise? No vídeo, ele afirma que seu equívoco foi tomar por forte a regulação prudencial e a supervisão do setor bancário na Islândia; elas, afinal, mostraram-se mais frágeis do que ele acreditava serem. Como ele pode se enganar a respeito? Sua resposta é exemplar: Mishkin alega ter errado por acreditar nas pessoas com quem conversou e confiar no Banco Central...
Uma informação para concluir: a origem do vídeo não está clara, mas ele parece ser parte do documentário sobre a crise de 2008, Inside job, feito pelo diretor Charles Ferguson e ainda sem data prevista para exibição no Brasil.
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