quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Hume e a economia

Terminou ontem o prazo para submissão ao CNPq de pedidos de bolsa de produtividade em pesquisa. O projeto que enviei é um desdobramento do que está em curso. É também uma nova etapa no desenvolvimento da linha de pesquisa sobre a economia política e a filosofia moral do Iluminismo escocês, que venho perseguindo desde meu doutoramento. Até aqui as pesquisas giraram em torno da ética e da economia de Adam Smith. Os resultados foram apresentados em diferentes artigos e estão sendo reunidos em um livro que está programado para aparecer no próximo ano, na coleção Economia Política e Sociedade.

Daqui por diante, o desenvolvimento dessa linha de pesquisa vai se voltar prioritariamente para a compreensão da economia política de David Hume (1711-1776). Meu ponto de partida é a constatação de que, se há um amplo reconhecimento da importância da obra filosófica de Hume, do valor de sua contribuição para disciplinas como a epistemologia, a metafísica, a teoria moral e a filosofia da religião, bem como de sua influência sobre as correntes filosóficas posteriores, o mesmo não pode ser dito a respeito de seus escritos sobre temas econômicos.

De fato, a recepção destes textos seguiu uma trajetória bem diversa. Em 1752, quando seus ensaios de economia política foram reunidos e publicados em um volume com o título de Discursos políticos, eles foram rapidamente aclamados pelo público letrado. O sucesso foi tão grande que o livro teve que ser reeditado poucos meses após seu lançamento e várias vezes nos anos seguintes, além de ser traduzido para o francês e outras línguas. Os ensaios foram lidos por autores destacados daquele período, como Smith, Steuart, Turgot e Malthus, deixando uma marca indelével em suas obras. No entanto, o passar do tempo fez declinar o interesse dos leitores nestes textos. Reduzido por economistas e historiadores das idéias econômicas a um autor menor, encravado entre o final da era mercantilista e a ascensão da chamada economia política clássica, a contribuição de Hume para a formação do pensamento econômico foi, ao longo do último século, praticamente esquecida e relegada.  Entre os filósofos, o destino dos escritos de economia de Hume não foi melhor: mesmo reconhecendo a importância dos Discursos políticos, poucos foram os intérpretes que se preocuparam em debater os temas econômicos que neles afloram. Numa palavra, tal como a questão foi resumida por Roger Emerson, a literatura sobre Hume é curiosa: ela tende a se concentrar nos escritos sobre filosofia, religião e política, contemplando só ocasionalmente a sua obra em história e ignorando por completo sua economia política.

Para complicar um pouco mais as coisas, os poucos estudos existentes sobre a economia política humeana tendem a incorrer em anacronismos, tomando-a como uma abordagem que compartilharia os mesmos pressupostos que orientam a visão contemporânea sobre a economia, esquecendo-se de que, para Hume, os temas econômicos são parte de um conjunto mais amplo de Discursos políticos. Além disso, aqueles estudos tendem a desconsiderar o contexto intelectual e histórico em que Hume elaborou suas ideias, o que revela-se problemático especialmente quando se tem em mente que os ensaios foram escritos por Hume com uma preocupação eminentemente prática de influenciar seus leitores sobre problemas políticos de sua época.

Só muito recentemente é que uma nova safra de trabalhos sobre o pensamento econômico de Hume veio dar início a uma mudança nesta situação. São interpretações orientadas por preocupações metodológicas muito semelhantes às que presidiram, a partir do final dos anos 1970, a releitura da obra de Adam Smith. Insistindo em frisar a importância de Hume para a formação do pensamento econômico moderno, os novos intérpretes têm buscado compreender suas ideias a partir de uma leitura abrangente daquela obra, uma leitura não restrita a alguns poucos ensaios. Este conjunto de estudiosos vem também procurando situar as motivações de Hume nas ideias e problemas que pautaram os autores do Iluminismo escocês, bem como no debate mais amplo sobre as relações entre a política e o comércio na primeira metade do século XVIII. Bons representantes desta literatura são, por exemplo, o artigo de Sheila Dow ou alguns textos reunidos na coletânea organizada por Carl Wennerlind e Margaret Schabas. É nesta mesma perspectiva que pretendo desenvolver meu projeto. Em outro post detalharei os problemas que pretendo abordar.


David Hume (1711-1776)

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