terça-feira, 23 de janeiro de 2018

David Riazanov (1870-1938)


No último domingo, completaram-se 80 anos da morte de David Riazanov. Preso e condenado em meio a uma onda brutal de repressão política, foi executado e enterrado em 21 de janeiro de 1938, numa vala comum no cemitério de Saratov. A data passou quase despercebida, mas ainda é tempo de registrá-la e, sobretudo, de lembrar esta figura notável: historiador e editor, pesquisador talentoso e leitor incansável, intelectual erudito e líder político apaixonado.

Riazanov foi um homem rumoroso e divertido, destemido e impetuoso, "o enfant terrible do Partido", alguém "organicamente incapaz de covardia". Um crítico de primeira hora dos descaminhos da Revolução Russa, recusou-se a silenciar sua oposição a atos do governo e do partido ou a abrir mão de sua independência pessoal. Defendeu com intransigência suas ideias e, enquanto foi capaz, valeu-se de sua língua ferina para expressar publicamente sua oposição a Stalin em diversas oportunidades, o que terminaria custando-lhe a vida.

Dono de uma memória e uma capacidade de trabalho impressionantes, os longos períodos que passou na prisão e no exílio não o impediram de deixar uma obra considerável. A ele devemos, sobretudo, a possibilidade de conhecer o legado teórico de Marx e Engels em sua integralidade, pois Riazanov foi o principal responsável por criar as condições para o efetivo desenvolvimento do projeto de uma edição crítica das obras dos dois pensadores alemães, reunindo uma equipe de pesquisadores qualificados para realizar o trabalho editorial e uma rede de contatos na Europa para reunir todo material necessário: os originais ou cópias de cartas, manuscritos, livros e o que mais fosse preciso para editar a Marx Engels Gesamtausgabe (MEGA). Se o projeto não chegou a bom termo, detido a meio caminho pelos desdobramentos do nazismo e do stalinismo, o trabalho de Riazanov e sua equipe foi essencial para que a ideia de editar a MEGA pudesse ser retomada nas últimas décadas.

A perseguição que sofreu custou a Riazanov não apenas sua vida, como também, por um bom tempo, a memória de seu legado. Anos atrás, tive a chance de escrever um pequeno texto sobre sua vida e seu trabalho e, deste modo, expressar o reconhecimento e a admiração que tenho por sua trajetória e sua obra. Das coisas que já escrevi, foi das que mais me gratificaram e achei que seria bom se hoje, e vez por outra, eu voltasse a falar de David Riazanov, este ser humano admirável. Está dito.
 
David Riazanov (1870-1938)
 

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Zahar


Os que são da minha geração e estudaram economia, filosofia, história ou ciências sociais certamente vão se lembrar dos livros da Zahar. A editora respondia por boa parte dos lançamentos nacionais e das traduções publicadas nestas áreas.

Ainda lembro do meu encontro com a incontornável 'História da Riqueza do Homem', do Leo Huberman, leitura feita no último ano do científico, que é como se chamava o ensino médio. Depois vieram outros livros, lidos durante a graduação: Dobb, Schumpeter, Sweezy, Baran, Rosa, Marcuse, Fromm, Cardoso e Faletto, Conceição Tavares, Florestan e tantos outros. A maioria comprei nas livrarias do centro da cidade, que é onde elas se concentravam: na Itatiaia, no Zé Maria, no Daniel Vaitsman, na Vozes, no Amadeu ou na velha Copec. Quase todas não existem mais, mas os livros ainda tenho comigo.

Naquela época, a Zahar era, incontestavelmente, uma editora importante. Aos 60 anos, completados nos ano passado, sua linha editorial mudou, abrindo-se para a literatura, incorporando outras áreas e dando mais ênfase à psicanálise. O velho Jorge Zahar não está mais a frente da editora que, apesar disso, continua importante.

Estou contando isto tudo porque acabei de ler o livro aí da foto, 'A marca do Z'. É uma mistura bem feita de duas estórias que quase se confundem: a biografia de Jorge Zahar e a história da editora que ele criou. O texto é leve, bem escrito e apoiado numa pesquisa competente. O projeto gráfico é muito bonito. Vale a leitura pra quem se interessa por estas coisas, inclusive pelas memórias que o livro evoca. É isso.