O texto abaixo foi escrito para a edição n° 1875 do Boletim UFMG:
Era 1982 e vivíamos os últimos anos do regime militar. A economia passava por uma crise acentuada: inflação em alta, dívida externa em crescimento, desemprego elevado e o país a caminho da recessão. O movimento pelas Diretas Já ainda não tinha ganhado força, mas havia a expectativa das primeiras eleições para os governos estaduais desde os anos 1960, que acabariam selando a vitória da oposição em boa parte dos estados. Foi nesse contexto que um grupo de professores do Cedeplar decidiu organizar um seminário para discutir a situação e as perspectivas da economia de Minas Gerais. Estava criado o Seminário sobre a Economia Mineira.
Algumas decisões tomadas naquele momento foram decisivas para assegurar o sucesso do evento ao longo dos 32 anos que se seguiram à sua criação. A primeira foi a ideia de realizá-lo fora de Belo Horizonte, na cidade histórica de Diamantina, que recebeu todas as 15 edições do Seminário. Se a intenção era garantir certa distância da rotina e das demandas cotidianas e tranquilidade para refletir em tempo integral sobre a realidade mineira e seu lugar no contexto nacional, o fato é que a escolha de Diamantina acabou marcando de forma duradoura o espírito do evento.
Não por acaso, ele é mais conhecido como Seminário de Diamantina. A história agitada daquela cidade, seu cenário natural e sua arquitetura colonial, a riqueza de sua tradição cultural na música e na literatura, a hospitalidade e simpatia de sua gente, tudo contribuiu para assegurar o sucesso dos eventos e para nos fazer lembrar que pensar sobre Minas era também um modo de debater sobre as questões mais amplas do nosso tempo, sobre o desenvolvimento nacional e a superação do atraso, sobre a emancipação humana e a construção de uma sociedade democrática e solidária.
A segunda decisão que marcou a trajetória do Seminário foi a de dar ao evento uma natureza multi e interdisciplinar, recebendo trabalhos de economia, demografia e história, que à época correspondiam aos temas que dominavam a agenda de trabalho dos professores do Cedeplar. De lá para cá, essa abertura se acentuou, e o Seminário acolheu textos propostos por arquitetos, geógrafos, cientistas políticos e sociólogos, abrindo-se também à discussão de temas como o meio ambiente e as cidades, que convidam justamente à busca de uma perspectiva que não seja meramente disciplinar ou segmentada.
Em terceiro lugar, sem trair o compromisso com o rigor e a crítica que são próprios da reflexão acadêmica, o contexto das mudanças políticas em curso naquele ano de 1982 contribuiu para que o Seminário recebesse um público mais amplo que o estritamente universitário – empresários, sindicalistas, quadros da administração pública, entre outros – e abarcasse a discussão de temas ligados à formulação e avaliação de políticas públicas.
Finalmente, outra marca do evento, presente desde a sua origem, é a capacidade de encarar a discussão sobre a economia e a sociedade mineiras como parte de uma reflexão mais ampla sobre a cultura, sobre os valores e os modos de expressarmos nossas inquietações, engenho e criatividade. Os debates com compositores, poetas, prosadores e críticos, as apresentações teatrais e musicais, as exposições e diferentes expressões culturais foram presença constante e ponto alto das programações. Para os que estiveram lá, como eu, é emocionante lembrar o que sentimos no show de comemoração dos 40 anos do Clube da Esquina, em 2012, assim como é impossível esquecer o fascínio provocado por Francisco Iglésias, Antonio Candido, Fernando Brant, Affonso Romano de Sant’Anna, Otávio Dulci e Vera Alice Cardoso, que, na mesa de encerramento do primeiro Seminário, em 1982, discutiram as muitas Minas, prendendo a atenção de todos até às 23 horas!
Eu era aluno de graduação da Face e estava presente naquela noite memorável. Desde então, participei de boa parte dos Seminários de Diamantina. Não é exagero afirmar que minha trajetória acadêmica – e a de muitos docentes que hoje estão à frente do Cedeplar e da Faculdade de Ciências Econômicas – se confunde, de algum modo, com a do próprio Seminário. A cada dois anos em que ele se realiza, temos observado os resultados de nosso trabalho, refletidos nos textos que apresentamos e na produção dos nossos alunos de graduação e pós-graduação. Mais do que isso, os seminários têm sido um momento para ensaiar novas questões, para avaliar o que foi feito e buscar os temas que irão povoar nossa agenda de pesquisas. Numa palavra, os Seminários de Diamantina têm-se constituído em momento de compreender e avaliar o sentido do trabalho que fazemos, de buscar novos rumos e repactuar os valores acadêmicos que nos são caros.
Quero acreditar que isso valha também para as centenas de participantes do Seminário provenientes de outras unidades da UFMG, de outras instituições universitárias e de pesquisa, de órgãos e agências governamentais, ONGs e outros. Se em algum momento fez sentido pensar no Seminário de Diamantina como atividade do Cedeplar ou da UFMG, é claro que seu crescimento e diversificação tornaram-no muito maior do que as instituições que deram origem a ele. É bom que seja assim, que ele cumpra cada vez mais o papel de aglutinar e criar laços de cooperação acadêmica entre pessoas de diversas regiões e formações, sem esquecer as amizades e afetos criados nas salas, ruas, auditórios e bares de Diamantina.
Concluo prestando minha homenagem aos que criaram o Seminário e a todos que, nas últimas três décadas, contribuíram para que ele se realizasse. Somos gratos pelo que fizeram e pelo rumo que imprimiram ao evento. Neste setembro de 2014, em que vamos realizar a 16ª edição do Seminário, esperamos que ele seja capaz de se renovar e de dar início a uma “vida nova”.
Belíssimo texto, Hugo. Tive a enorme felicidade de também ter participado, espero voltar um dia!
ResponderExcluirObrigado, Eduardo! A gente precisa mesmo combinar o seu retorno (e de outros tantos amigos que estiveram ali). Grande abraço.
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