quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Emílio Guimarães Moura (1902-1971)

Há quarenta anos, em 28/09/1971, faleceu Emílio Moura, um dos fundadores da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG.

Nascido em 1902, em Dores do Indaiá, Emílio mudou-se para Belo Horizonte em 1920. Aqui juntou-se a outros jovens que dariam vida ao movimento modernista na cidade: Carlos Drummond de Andrade, com quem fundou A Revista, Aníbal Machado, Abgar Renault, Pedro Nava e outros tantos.

Concluiu o curso de Direito em 1928, na recém-criada Universidade de Minas Gerais, a UFMG.

Em 1931, casou-se e publicou seu primeiro livro, Ingenuidade. Nos anos seguintes publicaria Canto da hora amarga (1936), Cancioneiro (1945), O espelho e a musa (1949), O instante e o eterno (1953), A casa (1961) e Itinerário Poético (1969), que foi reeditado em 2002, ano do centenário do poeta, pela Editora da UFMG.

Emílio foi diretor da Imprensa Oficial e redator do Minas Gerais. Sua carreira no ensino superior começou em 1942. Fundador e diretor, em 1945, daquela que é hoje a Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, foi também um de seus professores catedráticos, lecionando História das Doutrinas Econômicas. Mais tarde, ensinou Literatura Brasileira, na Faculdade de Filosofia da mesma Universidade.



Em Beira-Mar, Pedro Nava o descreveu assim:
"Tinha alguma coisa do Dom Quixote e, do engenhoso fidalgo, copiava também a ossatura do resto do corpo. Era alto, desengonçado, desempenado e tinha no físico e na alma o comprido - esse comprilongo - a que Carlos Drummond de Andrade emprestou ainda componente moral. (...) Falava pouco. Mas quando o fazia era bem e rápido e não vagaroso como sua vaguidão fazia supor. Tinha a voz bem sonante e no fim, com a doença, vibrando fundo, como que reboando dentro do peito. Terminava, em cima, por longos braços e pelo extremo das mãos ossudas, delicadas, de pele fina. Embaixo, por infindáveis pernas pernaltas. (...) Antiafobado, calmo, reservadão. Discreto, mesmo. Não no sentido cauteloso do caixa-encourada mas da alma fina que não gostava de atroar o mundo nem de ocupar lugar demais com sua pessoa. Jamais: eu sou, eu serei, eu fui. Sempre a terceira. Ele, ele, ele, vocês.  (...) Emílio era a mansidão, a bondade, a desambição, a oportunidade, a reserva, a inteligência, a capacidade de admirar, de querer - em figura de gente. Tinha além dessas qualidades o sentido raro do nada do mundo, do tudo do amor, da angústia do incógnito da vida e da morte. Morrer não é nada - dizia ele - pensar que se vai morrer é que é duro. E tinha a tristeza e se não a resposta pra todas as dúvidas e perplexidades, possuía a compensação, a vingança e a forra de todo sofrimento do mundo - porque tinha a graça divina da poesia. Ave! Emílio... (...) Tendo sido modernista da primeira hora do movimento em Minas, nunca fez concessões aos modismos literários que eram adotados e foi sempre invariavelmente emílio, palmeira e caetano.(...) A gente conhecia o Emílio pelo que dele fluía. Falava tão pouco de si que seria um desconhecido íntimo se nele não penetrássemos pela sua poesia. (...) Nosso Emílio era o juiz arguto de tudo que se dizia, nunca perdendo a calma a não ser quando esbarrava em opinião contra o Atlético Mineiro que era o seu clube. Via tudo com olhos mansos que pareciam não ver nada a sua frente. Guardava tudo o que contavam. Quando deixamos Belo Horizonte, ele, que lá ficou, gostava de repetir nossas estórias à geração mais nova."
Em 1971, quando de sua morte, Carlos Drummond de Andrade dedicou-lhe o poema "A um poeta irmão", publicado no Correio da Manhã, em 2 de outubro daquele ano e recolhido mais tarde em As impurezas do branco. Diz assim:
"Cinqüenta anos: espelho d'água, ou névoa? Tudo límpido.
Ou o tempo corrói o incalculável tesouro?
Vem do abismo de cinqüenta anos, gravura em talho doce,
a revelação de Emílio Moura.

Era tempo de escolha. Escolha em silêncio, definitiva.
Na rua, no bar, nossos companheiros esperam ser decifrados.
Mas o sinal os distingue. Descubro e é para sempre,
a amizade de Emílio Moura.

Agora a noite caminha no passo dos estudantes versíferos.
Bem conhecemos as magnólias, as mansões art noveau, os guardas-civis,
imóveis em cada esquina. Vou consultando um outro eu:
a presença de Emílio Moura.

E Verlaine, Samain, Laforgue, Antônio Nobre, Alphonsus,
tanta gente, nos acompanham sem ruído.
Começa tecer-se, renda fluída na neblina,
a canção de Emílio Moura.

Canção de câmara: a que ele escreve e o que ele é.
Peculiar surdina, íntimo violino, jeito manso de ser,
que escapa aos trovões pop e risca em fundo cinza
a alma de Emílio Moura.

Alma que interroga. Ao mundo todo interroga, constante.
Há um impasse de ser, na graça de sentir.
E não se basta o homem. Ave-problema, esvoaça
a dúvida de Emílio Moura.

No céu de dúvidas, o amor responde ao poeta,
aponta-lhe os iniludíveis alvos deliciosos
em que a dor adormece e em que floresce o canto,
a explicação de Emílio Moura.

Ah, mineiro! que tem minas nem mesmo dele sabidas,
pois não as quer explorar, e toda glória é fuligem.
Mineiro que cala e cisma, e é quando mais se adensa
a Minas de Emílio Moura.

Mineiros há que saem. E mineiros que ficam.
Este ficou, de braços longos para o adeus.
Em Belo Horizonte, rumor sem verdes, é água pura
a permanência de Emílio Moura.

Ei-lo que chega, vem trazer a magrilonga
figura amada a amigos longe, em festa calma.
E conversá-lo e vê-lo é sentir, indelével
a suavidade de Emílio Moura.

Agora não vem mais. Agora, é procurá-lo
em cinqüenta anos vividos, em papéis, em retratos,
é transferir a pessoa viva a um cofre de ouro:
a poesia de Emílio Moura.

Pois aconteceu a coisa aquém e além da vida,
e nem vale chorar nem vale sofismar.
O fato novo extingue a casa transparente de estar-perto:
a morte de Emílio Moura.

Neste fato penetro e o vou todo explorando.
Corredor ou caverna ou túnel ou presídio,
não importa. Uma luz violeta vai seguir-me:
a saudade de Emílio Moura."
 Ave Emílio!

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