quarta-feira, 8 de maio de 2013

Por que ler 'O Capital' hoje?



No mês de março, a nova tradução para o português do primeiro volume d'O Capital chegou às livrarias. Publicada pela Editora Boitempo, a tradução foi preparada por Rubens Enderle e será completada pelo lançamento de novas versões do segundo e terceiro volumes, previstas para acontecer em 2014 e 2015. O projeto é parte de um esforço mais amplo e ambicioso da editora, que pretende lançar parte significativa das obras de Karl Marx e Friedrich Engels em novas traduções.


A nova edição do Livro I d'O Capital

A coleção Marx-Engels já atingiu a marca de 16 volumes publicados. Começou com o lançamento de uma edição comemorativa dos 150 anos do Manifesto Comunista, em 1998. Depois foram lançadas as traduções de A sagrada família, em 2003, os Manuscritos econômico-filosóficos, em 2004, a Crítica da filosofia do direito de Hegel, em 2005, Sobre o suicídio, em 2006, e A ideologia alemã, em 2007 (essa última, também traduzida por Rubens Enderle).

Nos anos seguintes vieram outros textos importantes entre os quais a esperadíssima edição dos Grundrisse, em 2011. Quanto a O Capital, foi lançado em três formatos: capa dura, brochura e edição eletrônica.

No dia 20 de abril, o jornal Estado de Minas publicou duas matérias e três pequenos comentários sobre o lançamento, que ocuparam duas páginas do seu caderno semanal "Pensar". A primeira matéria, assinada por João Paulo Cunha, editor do caderno, comentou a nova tradução e chama a atenção para as dificuldades envolvidas na leitura da obra magna de Marx:
"O capital, de Karl Marx (1818-1883), não é um livro fácil. Talvez seja até mesmo um dos mais complexos de seu tempo, pela soma de conhecimentos que traz, que exige um leitor informado sobre filosofia, história, economia e política, entre outras disciplinas. Além disso, ao inaugurar um campo do saber, faz uso de um método, a dialética, inspirada na filosofia de Hegel, mas com um foco definido na análise crítica do modo de produção de riqueza baseado no mercado. Em outras palavras: um novo objeto, uma nova ciência e um novo método. A isso se soma o volume da obra, que alcança milhares de páginas em quatro volumes, sendo que apenas no primeiro deles Marx pôs o ponto final."
A segunda matéria é assinada por Rubens Enderle, o tradutor da nova edição, que comenta os desafios do trabalho. O primeiro foi a necessidade de preservar a precisão conceitual:
"Por exemplo, é preciso preservar a distinção sutil entre termos como “mais-trabalho” (Mehrarbeit), “sobretrabalho” (Überarbeit) e “trabalho excedente” (Surplusarbeit). Há também conceitos de caráter filosófico, dotados de uma forte carga hegeliana, conceitos que o próprio Marx utilizara em suas obras juvenis, como, por exemplo, “alienação” (Entäusserung, Entfremdung), “estranhamento” (Entfremdung), “determinidade” (Bestimmtheit), “suprassunção” (Aufhebung), “materialidade” (Materiatur) etc."
O segundo desafio, segundo o tradutor, foi colocado pela necessidade de transitar pelos diferentes estilos adotados por Marx ao longo do texto, em que se alternam trechos de natureza filosófica com capítulos analíticos e longas narrativas que descrevem as condições de vida da classe operária, sem mencionar as inúmeras referências a obras e personagens literários como Quixote e o Fausto.

São esclarecedores, por outro lado, seus comentários sobre a relação entre a nova tradução e o texto d'O Capital estabelecido na edição MEGA-2 (isto é, a Marx-Engels-Gesamtausgabe, a segunda tentativa de editar as obras completas de Marx e Engels, inciada nos anos 1970 e ainda em curso). É preciso tomar com boa dose de cautela o material de divulgação da editora quando afirma que a nova tradução foi feita "pela primeira vez a partir da edição preparada no âmbito do projeto alemão MEGA-2". Por um lado, é certo que o tradutor está a par dos critérios filológicos e editoriais adotadas na edição MEGA-2, por outro ele mesmo reconhece que:
"No caso do livro 1 de O capital (a 4ª edição), a edição da Mega não traz muitas novidades em relação à edição da Werke (MEW), pois o livro 1 foi editado ainda durante a vida de Marx, e ganhou mais duas edições depois de sua morte. Portanto, o texto-base da Mega é praticamente o mesmo da MEW, com exceção das notas da edição, que em alguns casos suprem lacunas da MEW. Há, certamente, outras vantagens da edição da Mega em relação à da MEW: por exemplo, a Mega traz no seu volume de apêndice todas as passagens da edição francesa de O capital que não foram incorporadas por Marx na edição alemã. Seria interessante apresentar isso ao leitor brasileiro, mas não foi possível incorporar essas passagens em nossa edição, já que isso tornaria o volume grande demais (na verdade, exigiria desmembrar o livro em dois volumes, o que é desfavorável do ponto de vista comercial).
A grande diferença se encontra nos livros 2 e 3, que Marx deixou na forma de manuscritos (montados por Engels naquilo que hoje conhecemos como livros 2 e 3 de O capital). A Mega, além da versão de Engels, edita os manuscritos em sua integralidade, o que revela enormes diferenças em relação à montagem feita por Engels. Em minha tradução dos livros 2 e 3 do Capital, serão incluídas as variantes mais importantes (por mim selecionadas) dos manuscritos. Trata-se, portanto, de um trabalho não só de tradução, mas de pesquisa em mais de 2 mil páginas de manuscritos. O livro 2 deve sair no início de 2014, e o livro 3 em 2015."
Na verdade, os quinze volumes que compõem a segunda seção da edição MEGA-2 incluem todas as versões do primeiro volume d'O Capital, além de todos os manuscritos preparatórios dos 3 volumes. Isso significa que, no que diz respeito ao primeiro volume d'O Capital, a MEGA-2 inclui  não apenas o texto da quarta edição alemã, a partir da qual foram feitas todas as traduções para o português, mas também o texto integral das edições anteriores (a de 1867, a de 1872 e a 1883) e o da tradução francesa publicada entre 1872 e 1875. É importante notar que as variantes dessas edições são, por vezes, significativas, como é o caso, por exemplo, das várias versões do capítulo 1. Se isso não diminui em nada o mérito da nova tradução, fica claro que ainda não dispomos de uma edição à altura dos critérios da MEGA-2. Na verdade, não temos sequer uma tradução do primeiro volume como a tradução espanhola feita por Pedro Scaron e publicada pela editora Siglo XXI, que tomou por base o texto da segunda edição alemã e acrescentou a ele variantes de outras edições.

Finalmente, o caderno Pensar trouxe três pequenos depoimentos na forma de respostas à questão "por que ler O capital hoje?". Tive a satisfação de ser um dos convidados a responder a pergunta, ao lado de Lucília Neves, professora da UnB e da UFMG, e de Frederico Santana Rick, cientista social e militante da Assembleia Popular e das pastorais sociais. Para encerrar, tomo a liberdade de reproduzir aqui o meu depoimento, como uma espécie de convite a leitura desse livro fundamental: 
"Ao longo de todo o século XX, a morte de Marx e de seu legado teórico foi anunciada repetidas vezes, ora por seus adversários – filósofos, políticos, economistas –, ora mesmo por aqueles que até anteontem professavam o marxismo. O simples fato de que o anúncio foi repetido periodicamente revela que o defunto teima em não se deixar sepultar. De fato, a partir de 2008, a crise econômica nos EUA e na Europa provocou um interesse renovado pela leitura das obras de Marx: jornais como o New York Times e The Times tem falado de um “retorno a Marx” e até mesmo a insuspeita revista Time reconheceu em matéria recente a “vingança de Marx” sobre seus adversários.
Se é óbvio que o capitalismo contemporâneo é, em alguns aspectos, distinto daquele que havia no século XIX, não é menos verdade que sua natureza fundamental continua a mesma. O capitalismo é, como Marx mostrou de modo pioneiro, um sistema econômico expansivo e inexoravelmente propenso a crises. O capitalismo ainda é aquele examinado por Marx e O Capital é, de longe, a melhor análise já feita sobre as estruturas fundamentais do capitalismo, suas determinações essenciais, “as leis econômicas que regem o movimento das sociedades modernas”. Por essa razão, ler O Capital continua importante e atual, leitura que é incontornável para quem quiser entender as questões do nosso tempo."



Karl Marx por &&&Creative




domingo, 5 de maio de 2013

Os melhores romances policiais de 2012

No início do ano passado escrevi um post sobre os melhores romances policiais que eu li em 2011. É de longe o texto mais lido deste blog e houve até quem me agradecesse pessoalmente pelas sugestões. Vai daí que resolvi deixar as reservas de lado e retomar o tema, listando aqui os melhores livros do gênero entre aqueles que eu li em em 2012.

A exemplo dos que compuseram a primeira lista, são romances escritos por autores diferentes, com estilos bem diversos. Predominam escritores nórdicos: Henning Mankell, Arnaldur Indridason e Jo Nesbo. Comentei sobre esses autores no post anterior. Eles estão em evidência e por isso são traduzidos e lançados no Brasil com regularidade, mas o que importa é que são realmente bons no ofício.

Outro autor que integra a minha lista é um inglês que, até então, eu não conhecia. David Peace nasceu em 1967, em Yorkshire, e é o autor de uma série em quatro volumes - Red Riding Quartet - da qual os dois primeiros foram publicados no Brasil: 1974 e 1977. Os dois volumes que completam a série, 1980 e 1983, ainda não foram traduzidos. São romances inspirados em assassinatos ocorridos no norte da Inglaterra entre 1975 e 1980 e atribuídos ao estripador de Yorkshire. O texto de Peace é diferente de tudo que eu já tinha lido: seco, ritmado,com cortes rápidos. Não sei se agradará a outros, mas foi a melhor surpresa do ano na área.

Completando a relação, Donna Leon, uma americana radicada há décadas na Itália e autora de uma série de romances policiais que tem Veneza e seus arredores por cenário e, como protagonista, o impagável Commissario Guido Brunetti. Nesses livros, a autora retrata com simpatia e cumplicidade os costumes e hábitos dos moradores da Itália, uma sociedade marcada pela corrupção e pelo crime, mas também pelo amor à cultura, pela indignação diante da violência e pela capacidade de celebrar a vida.

Por fim, faço duas ressalvas. A primeira é que não tenho a pretensão de ter lido toda a literatura policial lançada em 2012, de tal modo que é possível que algum bom título tenha escapado à minha atenção. A segunda é que minha lista exclui intencionalmente os livros de alguns autores que tenho o hábito de ler mas que considero bons demais pra tomarem parte de qualquer lista sob o risco de não deixarem espaço pra mais ninguém (os livros de um Simenon, por exemplo).

Dito isso, são esses os melhores romances policias que eu li em 2012:

A quinta mulher, de Henning Mankell.
Tradução de Luciano Machado.
Cia das Letras, 2012.

Vozes, de Arnaldur Indridason
Vozes, de Arnaldur Indridason.
Tradução de Álvaro Hattnher.
Cia das Letras, 2012.

O Redentor, de Jo Nesbo. 
Tradução de Grete Skevik.
Editora Record, 2012.



Headhunters
Headhunters, de Jo Nesbo.
Tradução de Kristin Lie Garrubo.
Editora Record, 2012.

1974, de David Peace.
Tradução de Rodrigo Peixoto.
Benvirá, 2012.

Remédios mortais, de Donna Leon.
Tradução de Carlos Alberto Bárbaro.
Cia das Letras, 2012.


O fardo da nobreza, de Donna Leon.
Tradução de Carlos Alberto Bárbaro.
Cia das Letras, 2012.