quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Maria da Conceição Tavares

Maria da Conceição Tavares esteve na UFMG para participar do ciclo de conferências Sentimentos do Mundo. Criado em 2007 para comemorar os 80 anos de fundação da Universidade, o ciclo foi tão bem-sucedido que vem sendo reeditado a cada ano, recebendo intelectuais renomados, de diferentes partes do mundo e de várias áreas do conhecimento, pessoas que se destacaram por sua contribuição à ciência, às artes, à cultura em geral. Na semana passada, foi também uma oportunidade de comemorarmos os 80 anos de Maria da Conceição Tavares, 80 anos vividos com paixão, espírito crítico e esperança.

Portuguesa de nascimento, Conceição é filha de Fausto Rodrigues Tavares e de Maria Augusta de Almeida Caiado Tavares, pai anarquista e mãe católica.
Cresceu sob a ditadura salazarista e testemunhou o drama da Guerra Civil espanhola: seu pai acolhia os refugiados do conflito em sua própria casa. Foi aluna de Bento de Jesus Caraça, o grande intelectual e matemático português, militante comunista e da resistência antifascista. Estudou matemática na Universidade de Lisboa, licenciando-se em 1953.

Aos 23 anos de idade, mudou-se para o Brasil, onde se transformaria em figura pública e referência intelectual para várias gerações. Envolvida pelo clima de otimismo que dominava o país naquela ocasião – o período do Governo de JK, do crescimento econômico, da construção de Brasília, da bossa nova e do cinema novo –, Conceição naturalizou-se brasileira em 1957, mesmo ano em que ingressou no curso de economia da antiga Universidade do Brasil, hoje UFRJ.

Trabalhou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o BNDE, entre 1958 e 1960. Neste ano, concluiu a graduação em economia. Pôde então ingressar no magistério, na mesma UFRJ, onde foi assistente do Professor Octávio Gouvêa de Bulhões.

Cursou a pós-graduação em desenvolvimento econômico na Cepal, órgão das Nações Unidas para o qual trabalhou entre 1961 e 1974. Na Cepal, Conceição pôde conviver e colaborar com três dos mais destacados economistas e intelectuais latino-americanos do último século: Celso Furtado, Raul Prébish e Aníbal Pinto que, ao lado de Ignácio Rangel, foram influências marcantes em sua maneira de pensar os fenômenos econômicos.

Unindo uma forte admiração por autores como Marx, Keynes, Kalecki e Schumpeter, Conceição ingressou de vez no debate econômico latino-americano em 1963, ano em que publicou um texto clássico sobre o Auge e o declínio do processo de substituição de importações, trabalho que discute os limites estruturais da estratégia de industrialização e desenvolvimento econômico perseguida pelos países latino-americanos.

O debate sobre a industrialização e o desenvolvimento seria retomado em textos posteriores, entre os quais se destacam: Além da estagnação, que é de 1970, Acumulação de capital e industrialização no Brasil, tese de livre-docência defendida em 1975, e Ciclo e crise – o movimento recente da industrialização brasileira, que foi originalmente apresentado, em 1978, como tese de professor titular na UFRJ.

Neste último trabalho, Conceição aprofunda a discussão de outro tema recorrente em sua produção intelectual, debatendo a natureza e a função do sistema financeiro brasileiro, tema que ela já havia tratado em ensaios anteriores, como Natureza e contradições do desenvolvimento financeiro, que é de 1971.

Em 1968, pouco antes da edição do AI-5, Conceição mudou-se para o Chile, onde colaborou com o governo socialista de Salvador Allende.

De volta ao Brasil em 1974, dividiu-se entre o Rio de Janeiro e Campinas. No Rio, retomou a atividade docente no Instituto de Economia da UFRJ. Em Campinas, colaborou na criação do programa de pós-graduação em economia da Unicamp, que se transformou rapidamente em um importante centro de formação dos “economistas de oposição”, como eram chamados os críticos das políticas econômicas adotadas pelo regime militar.

Após seu retorno ao Brasil, Maria da Conceição Tavares participou da luta pela redemocratização, filiando-se no PMDB em 1980. Mais tarde, ingressaria no Partido dos Trabalhadores, sendo eleita deputada federal, pelo Rio de Janeiro, em 1994.

Manteve em todo este período uma intensa produção intelectual, voltada não apenas para a análise dos desajustes da economia brasileira – a ciranda financeira, a inflação, a dívida externa etc. –, como também para as transformações na ordem global. Entre outros trabalhos expressivos deste período, podem ser mencionados o ensaio sobre A retomada da hegemonia norte-americana, que é de 1985 e que foi seguido e atualizado por um pós-escrito de 1997, bem como os artigos Uma reflexão sobre a natureza da inflação contemporânea, que é de 1986, e Ajuste e reestruturação nos países centrais, que é de 1992.

Na maior parte do tempo, suas opções político-partidárias divergiram das que tomei: ela estava no PMDB quando eu era petista, ingressou no PT quando eu já estava começando a me distanciar do partido. Mas isso não é motivo para deixar de reconhecer em Maria da Conceição Tavares uma cidadã de seu tempo e do mundo. Nos países em que viveu – em Portugal, no Brasil e no Chile – ela provou a violência e a opressão de regimes autoritários, que sempre combateu. Apesar dos percalços, Conceição compartilha a esperança e a generosidade dos que se dedicam à causa da humanidade. É uma mulher que sabe combinar criatividade e rigor, rebeldia e compromisso político, paixão pelo Brasil e dedicação à luta pelo desenvolvimento e pela justiça social. E por isso, a homenagem da UFMG foi mais que merecida.

PS.: para conhecer melhor sua obra, além da leitura de seus próprios livros, vale uma consulta aos textos de Silvia Possas e Ricardo Bielschowsky, além dos artigos da coletânea editada por Juarez Guimarães.



Maria da Conceição Tavares na UFMG (24/08/2010)

8 comentários:

  1. muito bom. não estive na palestra, infelizmente, mas tive ótimas notícias. belo post. h.

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  2. Ela fez uma bela conferência, Harley. Crítica e bem humorada (acredite!), sem cair para o proselitismo, mas dando duas ou três alfinetadas no Serra muito bem dadas. Valeu!

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  3. a conceição nos oferece 80 anos de lucidez e dignidade. façamos votos de vida longa a essa grande figura referencial. considero o mau humor dela algo muito divertido... parabéns pelo blog. abç. Lucas.

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  4. Parabéns, professor, pelo blog!

    Conceição Tavares já era, para mim, uma figura importantíssima para o Brasil. Depois dessa palestra, a qual tive a honra de participar, minha admiração pela inteligência dessa mulher brava e bem humorada (ela consegue ser engraçada quando xinga) aumentou sensivelmente.
    Pena que as pessoas não vivem para sempre e ainda bem que ela sempre estará sempre viva!

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  5. https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:S3HT-X9F9-NQD?wc=QSXV-7M7%3A1019547801%2C1020110001%3Fcc%3D1932363&cc=1932363

    tem aqui o cartão de entrada no brasil em 1954 da professora maria da conceição.
    cump.
    sérgio coelho

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  6. https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:S3HT-X9F9-NQD?wc=QSXV-7M7%3A1019547801%2C1020110001%3Fcc%3D1932363&cc=193236

    tem aqui um documento muito interessante sobre a professora maria da conceição. trata-se do cartão de emigração da pessoa em causa quando da entrada no brasil em 1954
    cump

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